Em vez de falar de moda brasileira, seria mais cuidadoso e acertado falar de moda no Brasil, o que é um pouco diferente. Assim mesmo, ainda no caminho da cautela e do acerto, temos que definir melhor de que moda e de que Brasil estamos falando. Tratando-se de vestuário, podemos, com tranqüilidade e sem nenhum arroubo separatista, dividir o Brasil em dois países diferentes. O Brasil urbano das grandes cidades, iguais a todas as outras do mundo, ligado a uma atividade de escritórios, bancos, restaurantes, teatros, museus, clubes noturnos; e o Brasil do sol, ligado ao lazer, aos apelos do mar que cobre mais de 7 mil quilômetros de sua costa.
Em cada um deles, um estilo de vida; para cada um deles, uma moda diferente. Nas cidades, a moda é internacional. As tendências européias, americanas e japonesas são absorvidas a cada estação e imediatamente amoldadas ao clima do País, mas conservando totalmente suas propostas de estilo. Podemos afirmar que não há uma moda brasileira urbana, e sim uma adequação às tendências internacionais. São Paulo e Minas Gerais são os pólos de produção e divulgação desta moda sofisticada e cosmopolita. Esta adaptação, porém, é feita com grande criatividade por parte dos estilistas brasileiros, que conseguem dar, através dos tecidos, cores e proporções, uma cara de Brasil ao mais severo modelo japonês, à mais descontraída criação belga, ao mais precioso drapeado francês.
Sim, porque se o Brasil não lança tendências, ele harmoniza essas tendências ao gosto brasileiro, que é muito específico. Brasileiro gosta de cor, gosta de minissaia, gosta de camiseta, gosta de roupa justa (daí o sucesso das fibras elásticas, como a lycra) e gosta, mais do que qualquer outro povo do mundo, de jeans. Talvez em função de ser um País de população jovem, o jean foi adotado em massa e tornou-se com o tempo uma espécie de uniforme nacional, superando qualquer condição de idade, sexo e poder econômico. Usa-se o jean da manhã à noite, no short, na bermuda, na calça, na saia, na jaqueta. Na praia, na cidade, com sandália, sobre o maiô, com blazer e com gravata. Uma saudável e democrática unanimidade nacional.
Mas, se na cidade o Brasil segue a moda, na praia ele inventa. E como inventa! Nesta faixa ele é imbatível: cria a cada ano novidades que serão seguidas e copiadas pelo resto do mundo, ainda que com prudência, pois são invenções atrevidas, ousadas demais para climas e mentalidades não tão tropicais (embora aqui, caiba falar de um paradoxo. Por menor que seja o tamanho do biquíni, curiosamente, o Brasil nunca adotou o top less. Tem que ter top, por mínimo que seja: top, yes - less, never). Tendo o sol e o mar diante dos olhos o ano todo, o País tem no biquíni e nas modas de praia sua grande criação. A cada estação uma nova proposta de proporção, uma nova cor, um novo escândalo. Tangas, sunkinis, fio dental, asa delta, cortininhas e outros nomes maliciosos e cheios de humor configuram esses inacreditáveis e minúsculos objetos de desejo e de consumo.
O laboratório vivo destas peças, a passarela de imaginação, difusão e produção é a cidade do Rio de Janeiro, especialmente a praia de Ipanema. É lá que a moda vira realidade viva e criativa. É nesta praia "linda e cheia de graça" que os pareôs são enrolados, amarrados a cada ano de uma forma diferente; que as camisetas aparecem uma hora cortadas, outra, rasgadas, pintadas, recriadas; que os biquínis sobem ou descem, os short esticam ou encolhem; que novas gírias são inventadas; que novos drinques são experimentados; que novas musas são eleitas; que novos surfistas são reverenciados e novas músicas consagradas.
Mais acima, no sul da Bahia, entre areias e coqueirais, aparece Trancoso, uma das mais lindas cidadinhas do litoral, quase vilarejo, que com toda sua singeleza ostenta uma surpreendente posição no universo dos lançadores de moda. É lá que se consagra, e é de lá que se propaga, através de um turismo jovem e informado, nacional e internacional, um dos mais provocantes, ingênuos e femininos objetos da moda: o vestidinho de algodão. Decotado, justo, curto, quase sempre estampado. Um look atemporal, vestido das Gabrielas do escritor Jorge Amado, vestido de moça pobre, de moça rica, de menina, de mulher. Do fundo dos tempos e a dos anos 90.
E por fim, o Nordeste, com suas rendas brancas, seus bilros, seus bordados no linho e nas cambraias, que nos remetem, pelo menos no imaginário, ao que temos de mais próximo a um inexistente traje brasileiro. Um artesanato refinado, trabalhoso e delicado, usado para enfeitar batas, vestidos, camisolas, lençóis e toalhas. Um produto cultural e popular, com grande capacidade de produção que nunca foi explorado pelo mercado interno ou pelo de exportação. Um núcleo de preciosa mão-de-obra, à espera de ser mais bem cuidado, apreciado e aproveitado.
O Brasil é um país antenado, criativo, trabalhador, feito de uma população de 157 milhões de habitantes, na sua maioria jovem. Está desde 1990 com suas portas abertas para o mundo. Uma passarela e tanto para o mundo vir passar, olhar, vender, comprar, trocar, experimentar. Olho nele que este desfile promete!